
Um condomínio em Santa Catarina virou notícia ao tentar impor uma regra insólita: proibir que um casal tivesse relações sexuais barulhentas após as 22h, sob pena de multa de R$ 237 e ameaça de expor gravações em reuniões, além de considerar instalar sensores de decibéis nos corredores. A medida, que constava de assembleia condominial, rapidamente gerou controvérsia nas redes sociais – que apelidaram a medida de “toque de recolher do amor” – e reacendeu um debate jurídico: até onde vai o poder do condomínio de regular a convivência?
Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, a tentativa é flagrantemente inconstitucional e expõe os limites da autonomia condominial frente aos direitos fundamentais das pessoas.
Intimidade regulada
Para a advogada Daniela Poli Vlavianos, do escritório Arman Advocacia, a medida viola frontalmente o direito à intimidade e à vida privada, assegurados no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.
“Ainda que o condomínio detenha poder normativo para regular a convivência, esse poder encontra limites na ordem constitucional. Não pode uma convenção de condomínio ou regimento interno se sobrepor a direitos fundamentais, transformando a autonomia privada em instrumento de violação da dignidade da pessoa humana”, opina.
A advogada lembra que o Código Civil permite ao condomínio coibir excessos de ruído (art. 1.336, IV), mas isso é diferente de determinar previamente como e quando os moradores podem exercer sua vida íntima. “O que a lei permite é reprimir abusos comprovados, não antecipar uma proibição com base em conteúdo moralista ou discriminatório”, completa.
Debate chega a contratos de locação
A polêmica vai além do direito condominial. Para Douglas Vecchio, CEO da Onda, a questão acende um alerta sobre possíveis reflexos em contratos de locação e garantias. “Multar moradores por relações sexuais barulhentas ultrapassa os limites da legalidade e pode gerar práticas abusivas. Se uma regra assim fosse replicada em contratos de aluguel, poderia ensejar inclusive responsabilização de locadores ou administradoras por má-fé”, diz.
Vecchio lembra que as multas condominiais só são válidas quando há excesso comprovado e reiterado. “Não cabe ao condomínio invadir a intimidade dos moradores. Regras de convivência existem para preservar o sossego coletivo, não para ditar a vida privada. Sexo não tem hora marcada – e definitivamente não é o condomínio quem deve definir isso”, reforça.
Onde termina o sossego e começa a liberdade individual
O caso de Santa Catarina expõe a delicada fronteira entre o direito ao sossego e a garantia constitucional da intimidade. Se de um lado a coletividade pode exigir que atividades ruidosas sejam contidas, de outro não pode avançar sobre escolhas pessoais, como a vida sexual, que faz parte do livre desenvolvimento da personalidade.
Na avaliação dos especialistas, a norma criada pelo condomínio é nula por inconstitucionalidade e cria um precedente perigoso. “Admitir esse tipo de ingerência abriria a porta para limitações igualmente abusivas em outras esferas da vida privada”, resume Vlavianos.
Em tempos de crescente judicialização da vida condominial, o episódio serve de alerta: convivência exige equilíbrio e respeito mútuo, mas nunca à custa de direitos fundamentais.
The post Toque de recolher do amor: condomínio pode proibir “sexo barulhento” após às 22h? appeared first on InfoMoney.
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