
Na semana em que o Supremo Tribunal Federal começa o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos outros integrantes do chamado “núcleo 1” por tentativa de golpe de Estado, parlamentares no Congresso tentam articular a “PEC da Blindagem”, que cria uma série de restrições a processos contra deputados e senadores.
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Apesar da pressão de parlamentares bolsonaristas, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não colocou a proposta em votação na semana passada por falta de consenso. Mas a pressão continua.
Para o advogado e jurista Lenio Streck, o projeto contraria a Constituição por ferir a isonomia e a igualdade das pessoas perante o Judiciário, ao criar dificuldades para se processar parlamentares. “Na prática, deputados e senadores estariam proibidos de serem presos”, disse o advogado ao InfoMoney.
O jurista avalia que o texto vai passar por mudanças no Congresso e, mesmo se aprovado, pode ser barrado pelo Supremo Tribunal Federal por ser inconstitucional. “Os tempos exigem mecanismos para combater a impunidade e não para facilitar que o parlamentar não seja julgado”, afirmou.
Veja os principais trechos da entrevista com Lenio Streck:
InfoMoney – A PEC da Blindagem prevê a volta da autorização prévia para investigação de parlamentar, que deixou de existir em 2001. O senhor considera que seria um retrocesso?
Lenio Streck – Sim, porque quando a Constituição foi feita havia um contexto para isso. Vínhamos de um regime autoritário, em que os parlamentares de fato eram perseguidos por suas opiniões contra o regime e não por infrações desse tipo que se tem hoje. O contexto de hoje não justifica uma volta àquilo que era autorização prévia para investigação. Afinal, 36 anos de Constituição são suficientes para entendermos, por exemplo, que os tempos exigem mecanismos para combater a impunidade e não para facilitar que o parlamentar não seja julgado, porque no fundo é essa a questão. O nome PEC da Blindagem nunca foi tão forte. É como um jogo de lego, que uma pecinha encaixa na outra. Esse é um nome que se encaixa muito fortemente à proposta.
IM – Outro ponto previsto na proposta é a necessidade de dois terços do Supremo para condenação de deputados e senadores. Qual a opinião do senhor sobre isso?
LS – Isso nunca existiu, porque feriria a isonomia. Isso faria com que todo o sistema jurídico tivesse que mudar, porque deputado teria que ter dois terços. Então o júri, por exemplo, para condenar alguém por homicídio no júri, teria que ter não mais a maioria de quatro a três, mas de cinco, seis votos. Imagina como seria para condenar alguém no tribunal do júri. Isto é uma teratologia jurídica que não faz nenhum sentido.
IM – O senhor acha que a opinião pública entende o que isso significa? Afeta a imagem do parlamento?
LS – Vai demorar um pouco para as pessoas entenderem. O grande problema é que o Congresso pode aprovar isso antes de a população ficar sabendo e poder protestar. Não é um assunto fácil para as pessoas entenderem, por exemplo, qual é a diferença do quórum de maioria simples e maioria de dois terços. Não é fácil para as pessoas entenderem que, por exemplo, para um deputado ser processado primeiro tem que ter autorização para iniciar a investigação, enquanto um cidadão comum é investigado direto dentro da delegacia.
IM – O projeto ainda traz outras questões, como condicionar prisão preventiva e uso de tornozeleira ao aval de dois terços dos ministros do STF e depois à deliberação da Casa Legislativa. Qual a sua avaliação em relação a este ponto?
LS – Na prática, deputados e senadores estariam proibidos de serem presos. Enquanto o cidadão é preso por qualquer autoridade, por decisão monocrática, um juiz da comarca manda prender qualquer cidadão. Agora, se for deputado ou senador, precisa ter dois terços do Supremo e da Câmara dos Deputados ou Senado. Realmente, estamos criando um ornitorrinco. Aquele bicho que a gente não sabe bem o que é.
IM – Na sua avaliação, vai ter pressão para que o texto seja, pelo menos, modificado?
LS – A minha impressão é que o Parlamento vai cair em si e não vai votar o texto como está. Se for repentinamente aprovado, esta questão dos dois terços, por exemplo, o próprio Supremo deve considerar inconstitucional.
IM – Há outros pontos nesta PEC que podem ser considerados inconstitucionais?
LS – Sim, por duas razões. Uma por ferir a Constituição no que diz respeito à isonomia e à igualdade. Outra porque matérias que são objeto de lei não devem ser tratadas por emenda constitucional. Decidiram fazer porque o projeto de lei pode ser vetado pelo presidente, e a emenda constitucional não. O Parlamento também pode derrubar o veto do presidente, mas tudo isso demora. No caso de uma PEC, são só eles mesmos que decidem. Eles podem aprovar a PEC num dia e no outro dia ela já vale.
IM – O texto veda que o Judiciário revise decisões do Congresso que suspendam investigações ou processos criminais. Isso significa que caso os deputados ou os senadores decidam sustar um processo o Supremo não poderia reverter a decisão?
LS – Isso fere a questão do equilíbrio entre os Poderes e é inconstitucional, porque a última palavra na democracia sempre é do Supremo Tribunal.
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