A independência do Fed está ameaçada, mas esta não é a primeira vez

Depois que o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) cortou os juros em sua última reunião do ano, duas questões enormemente importantes e interligadas permanecem sem resposta para 2026: quem será o próximo presidente do Fed e se o banco central continuará sendo independente.

Diante dos repetidos ataques públicos do governo Trump ao Fed, muitas vezes tomamos como garantida a independência do banco central. Mas ela foi duramente conquistada.

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O grande avanço ocorreu em 1951. Durante décadas antes disso, o Fed funcionou, em grande medida, como um apêndice do Tesouro e da Casa Branca — e, durante a Segunda Guerra Mundial, foi um facilitador passivo das políticas dos governos Roosevelt e Truman, mantendo as taxas artificialmente baixas para financiar os gastos deficitários da guerra.

Em fevereiro de 1951, a inflação havia disparado para mais de 20%, um desfecho desastroso que o Fed atribuiu ao Poder Executivo.

Após grandes batalhas políticas que culminaram em um acordo em março de 1951, hoje conhecido como o Acordo Tesouro–Fed, o Fed garantiu que não seria mais obrigado a atender às ordens do Tesouro e da Casa Branca, passando a operar segundo seus próprios critérios, como um banco central independente.

Poderia elevar os juros de curto prazo para conter a inflação se julgasse necessário esse ato politicamente impopular e não seria mais obrigado a manter artificialmente baixas as taxas do mercado de títulos.

Essa disputa pelo controle da política monetária dos Estados Unidos, no entanto, nunca terminou por completo.

Ela está sendo travada novamente agora, em uma série de embates públicos contenciosos, com enormes implicações para o custo de vida, o dólar e os riscos que precisam ser assumidos por investidores de longo prazo.

Ecos do passado

O presidente Donald Trump disse que indicará no próximo mês um nome para substituir Jerome Powell, o pressionado presidente do Fed, que não reduziu os juros tanto quanto o presidente gostaria.

As entrevistas com candidatos estão em andamento, mas Kevin A. Hassett, diretor do conselho econômico da Casa Branca, é apontado como o favorito. Ele tem se esforçado para apoiar a posição de Trump sobre juros e muitos outros temas.

Mas disse recentemente ao The Wall Street Journal que, se fosse presidente do Fed, pensaria por conta própria e “simplesmente faria a coisa certa”. Hassett acrescentou que não reduziria os juros se fosse ordenado pelo presidente a fazê-lo em um momento inoportuno — na prática, afirmando um certo grau de independência do Fed.

O que achei surpreendente, depois de ler um pouco de história, é o quanto os problemas do Fed com o governo Trump ecoam os do fim dos anos 1940 e início dos anos 1950 sob o presidente Harry S. Truman, um democrata.

Ex-presidente que virou rebelde

O prédio principal do Fed — que Trump afirma estar passando por uma reforma dispendiosa sob a liderança de Powell — recebeu o nome de um protagonista central nas lutas do Fed por independência, Marriner S. Eccles.

O fascinante é que Eccles perdeu o cargo de presidente do Fed, mas permaneceu como diretor e se tornou a principal figura na disputa com a Casa Branca.

Deixar a presidência, mas continuar como diretor, é um movimento que Powell poderia, em teoria, fazer no próximo ano, mas ele se recusou a dizer se faria isso. Embora seu mandato como presidente termine em maio, sua atuação como diretor do Fed poderia continuar até janeiro de 2028.

O Deutsche Bank evocou o exemplo de Eccles em uma nota de pesquisa recente: “Jerome Powell poderia seguir o precedente de Marriner Eccles?”

“Dadas as ações passadas do presidente Trump e seu desejo declarado de exercer maior influência sobre a política do Fed”, apontaram Peter Hooper e Matthew Luzzetti, autores da nota, “Jerome Powell pode ver a permanência no conselho de diretores como crucial para proteger a independência do Fed, ao oferecer estabilidade e continuidade em meio a possíveis pressões políticas.”

Eccles ofereceu mais do que estabilidade e continuidade. Como diretor do Fed no fim de 1950 e início de 1951, ele desempenhou um papel muito mais agressivo na disputa com o governo do que o presidente da instituição à época, Thomas B. McCabe.

Eccles chegou a vazar memorandos para The New York Times e The Washington Post — um deles serviu de base para uma reportagem de primeira página no Times em 4 de fevereiro de 1951 — revelando a pressão e as táticas duras usadas contra o Fed pela Casa Branca e pelo Tesouro. “Truman é contestado pelo conselho do Fed”, dizia a manchete do Times.

Acompanhando a reportagem, havia um longo memorando do Fed, aprovado pelo conselho da instituição, descrevendo o que realmente aconteceu em uma reunião na Casa Branca entre o Fed e o governo Truman.

O documento deixava claro que Truman estava tentando forçar o Fed a aderir a políticas monetárias de dinheiro barato com as quais não concordava. Isso contradizia as garantias públicas do governo de que o Fed e a Casa Branca estavam alinhados.

Opor-se abertamente ao presidente e ao Tesouro era uma aposta perigosa. A resistência do Fed foi bem-sucedida, em grande parte por causa da pressão geopolítica que recaía sobre o governo Truman praticamente ao mesmo tempo, vinda de tropas norte-coreanas e chinesas.

O Congresso realizou audiências sobre a crise militar. No meio de tudo isso, o governo cedeu à insistência do Fed de que fosse liberado para conter a inflação, que, segundo o Fed, estava sendo alimentada pelos gastos militares e pela insistência do Tesouro em manter juros baixos para financiar a dívida dos EUA.

O contexto

O Fed havia atendido às exigências do governo Roosevelt de financiar a dívida — hoje conhecido como um período de repressão financeira — durante a Segunda Guerra Mundial. Mas o banco central ficou inquieto no início do pós-guerra, à medida que gastos deficitários, juros baixos e endividamento crescente ajudavam a impulsionar a inflação.

O início da Guerra da Coreia — e a emergência de segurança nacional que se transformou na longa Guerra Fria, com a União Soviética substituindo a Alemanha nazista como principal adversária dos Estados Unidos — agravou os problemas econômicos do país.

O governo Truman esperava que o Fed promovesse os interesses de segurança nacional dos EUA, enquanto o Fed insistia em proteger o valor do dólar, que, segundo afirmava, estava sendo colocado em risco pela política do governo.

Os presidentes continuaram a pressionar o Fed, às vezes com grande sucesso. Por exemplo, as gravações do escândalo Watergate revelaram a aquiescência de Arthur F. Burns, então presidente do Fed, às pressões do presidente Richard Nixon em 1971 e 1972. O Fed reduziu os juros conforme ordenado, e a inflação disparou, alcançando 20% em 1980.

Paul Volcker, que se tornou presidente do Fed em 1980, conteve a inflação elevando os juros a níveis de até 19%. Ele resistiu à pressão do governo Reagan para reduzir as taxas a tempo da eleição de 1984.

Powell citou o exemplo de Volcker em 2022, quando a inflação voltou a disparar, e prometeu fazer o que fosse necessário para controlar os aumentos de preços. Ele ainda mantém esse compromisso.

Hoje, a independência do Fed é comumente vista como uma tradição, mas ela não é imutável.

Em 2026, poderemos descobrir se a capacidade do Fed de funcionar como julga adequado, para o bem e para o mal, sobreviverá ao desrespeito do governo Trump a essa e a muitas outras tradições dos Estados Unidos.

c.2025 The New York Times Company

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