
O avanço da especulação imobiliária nas grandes cidades de todo o país acelerou também o uso de uma velha prática do mercado imobiliário: a permuta. Mas o que parecia um bom negócio para todos – quem queria vender um imóvel ou terreno para grandes incorporadoras e para empresas, que também não precisavam desembolsar valores altos na aquisição – pode ter se tornado uma arapuca tributária para os vendedores. Isso porque uma nova interpretação da Receita Federal acendeu o alerta no setor imobiliário sobre essa prática largamente adotada pelas construtoras para a chamada formação de estoque de terrenos.
A Solução de Consulta COSIT nº 89/2025, publicada em junho, trata das chamadas permutas financeiras, modelo em que donos de terrenos trocam sua propriedade por uma participação nos resultados de um empreendimento imobiliário, ficando com apartamentos que serão construídos no local de sua casa ou terreno. Segundo advogados, na prática, agora essa modalidade vem resultando em uma tributação em dobro para os proprietários, apesar deles estarem assumindo os riscos junto com o incorporador.
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Na permuta financeira, em geral, o proprietário do terreno não recebe um valor fixo à vista, como em uma venda tradicional. Ele passa a receber mensalmente um percentual conforme as vendas realizadas pela incorporadora. Trata-se, portanto, de uma parceria na qual o dono do imóvel entra como “sócio informal” do negócio, assumindo riscos, acompanhando resultados e dependendo do êxito das vendas.
A Receita Federal respondeu, por meio da própria Solução de Consulta COSIT 89/2025, que a natureza da operação não se submete à vontade das partes ou à nomenclatura que estas decidam adotar no contrato e que o Direito Tributário não se curva à semântica privada, mas sim à substância dos atos jurídicos praticados.
Regime especial
Dessa forma, a Receita tem tratado esses proprietários apenas como vendedores de imóvel, cobrando deles o Imposto de Renda sobre ganho de capital, que pode chegar a 22,5%. Já a incorporadora, por sua vez, é beneficiada pelo Regime Especial de Tributação (RET), com alíquota unificada de 4%, conforme prevê a Lei nº 13.970/2019, que regula as incorporações imobiliárias. Mas, muitas vezes, esse percentual também é repassado para o vendedor, segundo advogado Guilherme Malta, sócio do escritório Mota Kalume Advogados.
“É uma bitributação disfarçada. A Receita desconsidera que o dono do terreno está economicamente integrado ao empreendimento, assumindo os mesmos riscos da incorporadora, e aplica sobre ele uma tributação mais pesada, como se ele estivesse apenas vendendo um imóvel”, afirma o advogado especialista em Direito Processual Civil.
Segundo Malta, o RET foi criado não apenas para simplificar a arrecadação no setor habitacional, mas também como política social, voltada à promoção do Minha Casa Minha Vida e à segurança jurídica das incorporações. “Quando o proprietário se associa ao projeto, ele deveria ser tratado como co-incorporador e ter direito ao mesmo regime fiscal. A legislação não proíbe isso, mas a interpretação da Receita é excessivamente formal”, afirma.
A situação se complica porque, ao repassar ao proprietário o valor correspondente à sua participação, a incorporadora já deduz a alíquota de 4% — o que significa que o mesmo valor está sendo tributado nas duas pontas. Para Malta, trata-se de uma violação aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia: “É punir quem contribui para a geração de riqueza no país.”
O advogado defende uma mudança de interpretação por parte da Receita, e não necessariamente da legislação. Ele afirma que é possível judicializar casos em que o proprietário busque ser reconhecido como co-incorporador, ou, ao menos, revisar o contrato de permuta para minimizar os impactos tributários.
“O negócio pode parecer excelente no início, mas sem uma boa assessoria jurídica, o proprietário pode acabar tendo prejuízo no final”, afirma Malta. Por isso, ele faz um alerta aos proprietários: “antes de fechar uma permuta com alguma incorporadora, é fundamental entender como será a tributação envolvida.”
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