Hospedagens em Belém: o que é exagero e qual é o preço para se hospedar na COP30?

O drama das hospedagens para a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) em Belém do Pará, que ocorrerá entre 10 de 21 de novembro deste ano, já é conhecido por muitos, uma vez que a imprensa nacional e internacional vem divulgando há meses os preços exorbitantes de diárias e a baixa oferta de quartos na capital paraense. Mas será que existe algum sensacionalismo nessa divulgação? Qual é o patamar dos preços de hospedagens em Belém?

Para tentar responder essas perguntas o InfoMoney conversou com agentes que fazem parte do dia a dia do setor de turismo em Belém, além de plataformas de hospedagem, a organização do evento e o Ministério do Turismo, que admitiram a existência de preços absurdos, mas ressaltaram que essa não é – ou não é mais – a realidade da maioria das opções de hospedagem. Essas fontes atribuíram a inflação das diárias à alta demanda e baixa oferta de quartos da capital paraense.

Rede hoteleira pequena

Segundo o Ministério do Turismo, Belém hoje conta com mais de 53 mil leitos de hospedagem mapeados, distribuídos em 28 mil quartos espalhados por em hotéis, navios e residências de temporada.

Acontece que os leitos disponibilizados em hotéis na capital e região metropolitana (14.547 leitos) correspondem a apenas 27,4% dos leitos mapeados. Ou seja, a maior parcela de leitos em Belém não é oferecida pelo setor hoteleiro: imóveis residenciais disponíveis para aluguel por temporada por meio de imobiliárias concentram 10.004 leitos e os oferecidos pelo Airbnb, 22.452 leitos. Juntas as duas modalidades representam mais de 60% das hospedagens para a COP 30, segundo dados enviados pela organização do evento à reportagem.

“É uma realidade diferente. Acredito que entre as falhas da organização, a comunicação da nossa realidade é uma delas. Faltou comunicar isso. Aqui em Belém a realidade é outra (…) Aqui se vê também a pobreza e a consequências de falta de investimento, de olhar, para toda uma região”, desabafa Cláudia Craveiros, diretora do CRECI-PA (Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Pará) e proprietária de uma imobiliária que atendeu parte das delegações de Colômbia, México e jornalistas do jornal americano The New York Times.

Leitos x quartos

Segundo Toni Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Pará (ABIH-PA), o maior desafio de prestar o serviço de hospedagem na COP está sendo “transformar em quartos o que outrora foram leitos”.

O quarto é o ambiente físico e o leito é a cama em si, ou seja, em um quarto com duas camas há dois leitos.

Acontece que, segundo os especialistas consultados pelo InfoMoney, membros de delegações, que são líderes de estado, funcionários de governo de alto escalão e assessores não costumam dividir quartos – característica que foi comunicada ao setor hoteleiro de Belém muito tardiamente, segundo Santiago.

“Foi passado que precisávamos providenciar ‘leitos’ às delegações. Depois fomos informados que precisávamos providenciar ‘quartos’, pois os delegados não dividem as estadias. Então a disponibilidade caiu de 22 mil leitos para 7 mil quartos”, contou Santiago.

Os preços das hospedagens em Belém estão altos? E quem está cobrando mais?

“A prova que a hotelaria de Belém está em sintonia com o mercado é que quase 90% dos hotéis estão lotados”. É o que afirma Toni Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Pará (ABIH-PA).

Para Santiago, os preços na rede hoteleira local são os mesmos cobrados onde aconteceu um grande evento mundial dessa magnitude. “Na última COP29 em Baku (Azerbaijão) aconteceu a mesma coisa”, disse.

Santiago admite que existem “redes hoteleiras” que ficaram “fora da curva”, mas que são minoria. “Elas são as mais prejudicadas. Estão tendo que baixar suas diárias”.

Um exemplo que ficou popular após reportagem do portal g1 é o Hotel COP30, um motel (antes Hotel Nota 10) transformado para atender turistas durante a conferência, e cuja diária já foi anunciada por R$ 6.300 no Booking. Agora, o valor já caiu para R$ 2.275 na mesma plataforma, segundo consulta da reportagem.

Em geral, o preço médio das diárias em Belém para a COP está entre 300 e 400 dólares, algo entre R$ 1.620 e R$ 2.160.

A título de comparação: Paris recebeu os Jogos Olímpicos entre julho e agosto de 2024, e os preços das hospedagens na capital francesa dispararam – como é comum cidades que recebem grandes eventos de relevância global. No pico, registrado a 11 meses do evento, o preço médio das acomodações atingiu € 531 por dia (R$ 3.252). Já no fim de julho de 2024, a média caiu para € 313 (R$ 1.917). O aumento de preços das hospedagens para a Olimpíada em Paris girou na casa dos 90%.

Mas esse tipo de paralelo não é o mais correto para Luísa Dalcin, diretora de comunicação do buscador de voos Viajala, que explica que, no setor de hotelaria e turismo, nesses períodos de grandes eventos, o aumento nas hospedagens se dá pela demanda alta em comparação com a oferta. “É uma questão de oferta e demanda. Se a demanda por Belém está alta hoje, não faz diferença o preço que foi cobrado pelas diárias em Paris no ano passado. A questão é se chegar em um preço razoável em relação aos preços normais daquele mesmo local – comparação de Belém com Belém”, defende.

Segundo Dalcin, em altíssimas temporadas, que são características de períodos de Carnaval e Ano Novo no Rio de Janeiro e Nordeste, Natal Luz em Gramado (RS) e inverno em Campos do Jordão (SP), é natural que o preço das hospedagens aumente ao menos em 100%, e frequentemente triplique, quadruplique ou até quintuplique. “Não faz tanta diferença a qualidade da estadia se ela é a única disponível”, completa.

Contudo, o aumento relatado em Belém é maior que esse. O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, alega que os preços das estadias em Belém estavam “10, 15 vezes maiores do que os hotéis costumam oferecer”.

Hospedagem de R$ 500 mil

Diárias com preços exorbitantes para o período da COP 30 estão sendo cobradas majoritariamente por pessoas físicas em plataformas de aluguel por temporada, segundo as fontes.

“Quem cobra esses valores exorbitantes são lobos solitários. E eles fazem isso nas plataformas, porque elas aceitam qualquer preço que for colocado ali (…) O que nós instruímos aos clientes da imobiliária é que não adianta colocar o preço nas alturas, porque você não vai alugar. Vai ser muito bom financeiramente alugar sua casa, seu apartamento no período da COP? Vai. Mas ninguém vai ficar rico com isso”, diz Daniel Farias, sócio da Broker Soluções Imobiliárias, também sediada em Belém.

Um levantamento feito pela reportagem em março de 2025 no Airbnb mostrava preços exorbitantes de aluguéis para o período da COP30. Aluguéis de 12 diárias para quatro pessoas nos bairros de alto padrão Umarizal e Nazaré anunciados por até R$ 547 mil, além de opções de R$ 131 mil e R$ 95 mil. Em uma nova pesquisa feita em 15 de agosto, os valores para a mesma região haviam caído sensivelmente, apesar de permanecerem em patamar elevado. Veja abaixo:

Pesquisas de preços de estadias feitas no Airbnb (Reportagem)

O InfoMoney pediu dados sobre os preços médios das diárias cobradas no Airbnb e Booking. O Airbnb não enviou qualquer dado sobre o tema, mas compartilhou posicionamento afirmando que os preços mostrados na plataforma são definidos diretamente pelos próprios anfitriões, “que possuem total autonomia e independência para gerenciar e personalizar seus anúncios”.

Ainda assim, a companhia afirmou que, diante da importância da COP30 e do papel de Belém como sede de um evento de impacto global, tem “empreendido esforços adicionais de conscientização junto à comunidade local de anfitriões, incentivando práticas responsáveis e alinhadas aos objetivos do evento”, e se colocou à disposição para colaborar com as autoridades “dentro das obrigações e normas aplicadas à sua atividade como plataforma digital”.

O Booking também não enviou dados afirmando que, ser parte de um grupo listado na Bolsa de NY (Booking Holdings), “não pode abrir informações locais relacionadas a reservas na plataforma”.

Sensacionalismo?

Para os corretores de Belém existe um sensacionalismo da grande mídia na hora de retratar o preço das hospedagens para a COP. Segundo as fontes, os preços absurdos existem, mas não as únicas opções. “Hospedagem tem, de todo tipo e para todo bolso”, afirma Daniel Farias.

De fato, é possível encontrar um intervalo de preços mais amplo em diferentes plataformas.

Um exemplo é a plataforma de hospedagens Booking. Ao fazer uma busca, no dia 15 de agosto de 2025, por hospedagens em hotéis e pousadas para 11 diárias em Belém, de 10 a 21 de novembro, foram encontradas 14 opções com valores entre R$ 97.509 (R$ 8.864,45 por dia) e R$ 1.446 (R$ 131 por dia). Entre as principais diferenças entre elas eram a distância do centro da cidade (2,2 quilômetros e 25,5 quilômetros, respectivamente), os bairros, sendo a mais barata situada na Ilha Cotejuba, na área insular de Belém, e no Umarizal, bairro de alto padrão da capital Paraense, além da infraestrutura dos estabelecimentos, disponibilidade de serviços de quarto e café da manhã.

A única estadia no bairro Marco disponível no Booking era uma pousada, cuja localização é uma das mais estratégicas para o local da COP30. A hospedagem saía a R$ R$ 17.243 para as 11 diárias (R$ 1.567,54 por dia).

Já na plataforma desenvolvida pelo governo federal que reúne opções de hospedagens em Belém, as opções mais caras têm diárias no patamar de 15 mil dólares (R$ 81 mil). É verdade que elas são minoria, mas, das 1093 opções que o site apresentava em 15 de agosto de 2025, apenas 33 estão no intervalo de até 500 dólares (R$ 2.699 por dia).

Nas imobiliárias são trabalhados imóveis residenciais para locação e, como trata-se de casas e apartamentos, os preços são diversos, variando segundo o número de quartos, banheiros, opções de lazer (como piscinas e saunas) e inclusão de prestação de serviços (como secretárias do lar e motoristas).

Daniel, da Broker, afirma disponibilizar hospedagens a partir de 180 dólares a diária, ou R$ 971,64 por dia na cotação atual. Já a imobiliária de Claudia diz que disponibiliza imóveis com diária a partir de 160 dólares, ou R$ 863,68 na cotação atual. Em ambos os casos as diárias de quase mil reais seriam para a hospedagem em imóveis mais simples, com dois quartos no máximo, distantes do centro e do local onde ocorrerá a conferência.

“Quem disponibiliza a própria casa para hospedagem corre riscos ali. É a casa da pessoa. E não estamos falando de casas simples. Estamos falando de casas com estrutura, muitas vezes em condomínio fechado. Isso tem um custo também”, afirma Claudia.

Desafios de hospedar uma delegação

Dalcin, da Viajala, já trabalhou diretamente com autoridades e confirma o desafio de hospedar funcionários de alto escalão do governo. “A equipe que vai atender esse funcionário ou essa comitiva tem que ter experiência com autoridades, tem que falar idiomas, passar por outro processo de treinamento. Além disso, ao hospedar uma autoridade global, é comum ter que fechar um andar inteiro de um hotel para a sua segurança; é preciso montar uma operação específica, com planejamento de rota, para a entrada e a saída dessa autoridade. Tem escolta – às vezes fazemos um perímetro de segurança em volta do hotel. E se for uma autoridade visada, que recebe ameaças, precisa vistoriar o quarto, a cozinha e até a comida. Isso implica na necessidade de aumento de pessoal e de custos”, explica.

Além dos protocolos de segurança, atender delegados, que não são necessariamente autoridades, imprime vários desafios à hospedagem, sobretudo em imóveis residenciais – onde está a maioria dos leitos de Belém.

“Atendemos delegações que abraçaram a ideia da hospedagem fora do hotel – tanto que 90% dos aluguéis que fechamos incluem prestação de serviços de faxina, copa e motorista. Mas esse não é o mais comum, porque esse grupo está habituado a ficar em hotéis. Todo mundo sabia disso. Acontece que o número de quartos de hotéis para delegados que a organização da COP pediu inicialmente aumentou, porque muitas delegações decidiram aumentar o número de membros que seriam enviados à conferência”, contou Daniel.

O aumento das delegações foi pauta de um pedido do governo brasileiro para que os países participantes da COP reduzissem o tamanho das suas delegações. O pedido foi duramente criticado em uma carta assinada por 25 países membros.

O documento, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, trazia críticas diretas à escalada nos preços de hotéis, à oferta insuficiente de leitos, à insegurança e à dificuldade de deslocamento na capital paraense.

Delegações de países em desenvolvimento

Apesar da carta e de pedidos de delegações para alterar o local de realização de pelo menos parte da COP30, o governo brasileiro afirmou reiteradamente que não o faria e que trabalharia para a acomodação de todos os países na conferência.

Sobre a acomodação de delegações de países em desenvolvimento, foram ofertados 530 apartamentos em hotéis 5 estrelas com diárias a 100 dólares para atender delegados menos favorecidos, segundo Toni Santiago, da ABIH-PA.

Além disso, o Ministério do Turismo e a organização da COP30 informaram que 2.500 quartos com diárias a partir de US$ 100 foram disponibilizados para um grupo composto, em sua maioria, por Países Menos Desenvolvidos (LDCs) e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEIDs), seguindo o que foi acordado com a Organização das Nações Unidas (ONU).

“O sucesso da conferência é uma prioridade absoluta para o governo federal”, segundo nota do Ministério do Turismo enviada ao InfoMoney.

O que diz o governo federal?

Na última quinta-feira (14), o ministro do Turismo, Celso Sabino, se reuniu com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, e o secretário extraordinário da COP, Valter Correia, para tratar da questão e garantir hospedagem a todas as delegações convidadas, especialmente as dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas.

O Ministério do Turismo também ressaltou que 23 hotéis de Belém e da Região Metropolitana já captaram R$ 167 milhões em financiamentos via Fundo Geral de Turismo (Novo Fungetur), do MTur, para obras e capital de giro com vistas à preparação da COP30 (entre recursos contratados e ainda em análise).

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